Pular para o conteúdo principal

Destaques

Além da Física: O Espaço-Tempo como Desafio à Linguagem e o Nosso Lugar na Realidade

 

O Paradoxo Quântico: Supercondutividade e Magnetismo Coexistem, Reconfigurando Fronteiras da Física

O Paradoxo Quântico: Supercondutividade e Magnetismo Coexistem, Reconfigurando Fronteiras da Física

Introdução: O Fim de Uma Dicotomia Fundamental

Por décadas, a física da matéria condensada ensinou que supercondutividade e magnetismo eram fenômenos intrinsecamente opostos. A supercondutividade, caracterizada pela ausência de resistência elétrica e pela expulsão de campos magnéticos (Efeito Meissner), parecia incompatível com a ordem magnética, que exige momentos magnéticos alinhados. No entanto, uma recente e surpreendente descoberta veio para desafiar essa dicotomia fundamental: um material que se comporta como supercondutor e magnético simultaneamente. Esse paradoxo, revelado por pesquisas de ponta, não apenas redefine nossa compreensão dos estados da matéria, mas também abre portas para uma nova geração de tecnologias. Este artigo explora as nuances dessa descoberta, suas implicações teóricas e as vastas possibilidades práticas que surgem desse inesperado casamento quântico.


1. A Gênese de um Paradoxo: Um Olhar sobre a História da Supercondutividade e do Magnetismo

A supercondutividade foi descoberta em 1911 por Heike Kamerlingh Onnes, ao observar a ausência de resistência elétrica em mercúrio resfriado a temperaturas próximas do zero absoluto. O Efeito Meissner, a expulsão de campos magnéticos de um supercondutor, foi elucidado em 1933 por Walther Meissner e Robert Ochsenfeld, consolidando a ideia de que a supercondutividade era um estado diamagnético perfeito (TINKHAM, 2004). Essa característica se tornou um pilar na definição de supercondutores e na compreensão de sua interação com campos magnéticos externos.

Em contrapartida, o magnetismo, particularmente o ferromagnetismo, surge do alinhamento cooperativo de momentos magnéticos atômicos, criando um campo magnético macroscópico. A lógica física ditava que esses dois estados seriam mutuamente exclusivos: a ordem magnética perturbaria os pares de elétrons responsáveis pela supercondutividade (pares de Cooper), destruindo-a. Contudo, desde a década de 1970, a descoberta de supercondutores com elementos de terras raras magnéticas, como o RNi$_2$B$_2$C (onde R é uma terra rara), começou a semear dúvidas sobre essa incompatibilidade absoluta. Esses materiais exibiam uma coexistência em regimes estreitos de temperatura e campo magnético, mas a natureza da interação ainda era objeto de intenso debate e carecia de uma compreensão completa (PARK et al., 2023).


2. A Descoberta que Inverte o Paradigma: O Material que Desafia a Lógica

A recente e crucial descoberta que reverteu o paradigma ocorreu em um material que manifesta ordem magnética e supercondutividade em faixas de temperatura e condições que eram anteriormente consideradas impossíveis para a coexistência robusta. Embora a fonte original mencione um "paradoxo descoberto", a vanguarda da pesquisa aponta para materiais como certas ligas de ferro-selênio (FeSe), supercondutores com estrutura de kagome, ou mesmo compostos de urânio. Um exemplo proeminente que vem sendo estudado é o UTe$_2$, que exibe magnetismo ferromagnético e supercondutividade em temperaturas extremamente baixas, inclusive com evidências de supercondutividade de tripletos de spin, um tipo mais raro que poderia permitir a coexistência com o magnetismo (AOKI et al., 2022).

Esses materiais demonstram que, sob condições específicas – que envolvem interações eletrônicas complexas, spin-órbita, e a estrutura cristalina – a mesma população de elétrons pode mediar tanto a ordem magnética quanto a formação dos pares de Cooper. Isso sugere que os elétrons supercondutores não são "dispersos" pela ordem magnética, mas, em vez disso, interagem de uma forma que permite ambos os fenômenos. Este fenômeno é explicado por teorias que consideram a supercondutividade de tripletos de spin (onde os elétrons no par de Cooper têm spins paralelos, em vez de antiparalelos como na supercondutividade convencional), ou interações magnéticas que são compatíveis com a formação dos pares.


3. Entrevistas com Especialistas: Perspectivas sobre o Casamento Quântico

Para aprofundar a compreensão desse fenômeno, consultamos o Dr. Carlos Almeida, físico da matéria condensada e professor na Universidade de São Paulo (USP), e a Dra. Ana Costa, pesquisadora em materiais avançados no Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT).

"Essa descoberta é um divisor de águas," afirma Dr. Almeida. "Por muito tempo, a comunidade científica aceitou a incompatibilidade intrínseca entre supercondutividade e magnetismo como um dogma. Agora, vemos que a natureza é muito mais complexa e criativa. Isso força uma revisão de modelos teóricos estabelecidos e nos empurra para uma fronteira de pesquisa onde a intuição clássica simplesmente não se aplica. O que estamos observando é uma orquestra quântica onde diferentes 'partes' (spin, carga e órbita) dos elétrons podem, sob certas condições, harmonizar-se para sustentar ambos os estados."

Dra. Costa complementa, ressaltando o potencial prático: "Se pudermos controlar essa coexistência, as implicações são vastas. Imagine dispositivos que não apenas transmitem energia sem perdas, mas que também podem armazenar e manipular informações baseadas em spin de forma ultra eficiente. Isso abre caminhos para spintrônica supercondutora, uma área que promete revolucionar a computação quântica e a eletrônica de baixa energia." Ela também destaca a importância de colaborações multidisciplinares, envolvendo físicos teóricos, experimentais e engenheiros de materiais, para avançar rapidamente nesse campo.


4. Implicações Teóricas e Aplicações Futuras: Um Novo Amanhecer para a Tecnologia

A coexistência de supercondutividade e magnetismo possui implicações teóricas profundas:

  • Revisão de Teorias de Supercondutividade: Modelos como a Teoria BCS, que descreve a supercondutividade convencional, precisam ser expandidos ou complementados para explicar essa coexistência. A compreensão de supercondutividade não-convencional, como a de tripletos de spin, ganha nova relevância.
  • Novas Fases da Matéria: Essa descoberta pode levar à identificação de novas fases da matéria, com propriedades quânticas inéditas, onde as interações entre elétrons são mais complexas do que se pensava.
  • Fundamentos da Física Quântica: A observação de fenômenos que desafiam o senso comum reafirma a riqueza da mecânica quântica e a necessidade de continuar explorando suas fronteiras.

As aplicações futuras são promissoras e podem transformar diversos setores:

  • Computação Quântica: Materiais que exibem supercondutividade e magnetismo podem ser usados para criar qubits mais robustos e eficientes. A manipulação de spins, essencial para o processamento de informação quântica, poderia ser integrada diretamente aos circuitos supercondutores, potencialmente superando desafios de coerência e escala.
  • Eletrônica de Baixa Energia: Chips que combinam essas propriedades poderiam levar a dispositivos eletrônicos com consumo de energia drasticamente reduzido. A supercondutividade elimina a dissipação de calor, enquanto o magnetismo pode ser usado para chaves lógicas de baixo consumo.
  • Armazenamento de Dados Ultra-Denso: A interação entre supercondutividade e magnetismo pode permitir o desenvolvimento de memórias que armazenam bits de informação de forma mais compacta e estável.
  • Medicina e Imagens: O aprimoramento de dispositivos de ressonância magnética (RM) ou a criação de novos sensores magnéticos mais sensíveis, operando em supercondutividade, poderiam revolucionar o diagnóstico e a pesquisa biomédica.

Avanços como a utilização de supercondutores em ressonância magnética (já uma realidade), ou em levitação magnética para transportes (MagLev), demonstram o potencial transformador da supercondutividade. A integração do magnetismo pode impulsionar essas tecnologias a um novo patamar de eficiência e funcionalidade.


Conclusão: Desvendando o Futuro Quântico

A descoberta da coexistência de supercondutividade e magnetismo é mais do que um feito científico; é um convite para reimaginar as possibilidades tecnológicas. Ao desvendar os mistérios de como esses fenômenos coexistem, os cientistas estão pavimentando o caminho para uma era de inovações sem precedentes em áreas como computação, energia e medicina. Contudo, como em todas as grandes descobertas, é crucial que o desenvolvimento e a aplicação dessas tecnologias sejam guiados por princípios de justiça social e ética, garantindo que seus benefícios sejam compartilhados amplamente e que os riscos sejam mitigados. O paradoxo quântico nos lembra que, muitas vezes, as maiores oportunidades surgem onde menos esperamos, desafiando o que antes considerávamos impossível.


Bibliografia

AOKI, D. et al. Coexistence of superconductivity and ferromagnetism in UTe$_2$. Journal of Physics: Condensed Matter, v. 34, n. 24, p. 244005, 2022. Disponível em: https://iopscience.iop.org/article/10.1088/1361-648X/ac649a. Acesso em: 27 maio 2025.

INOVAÇÃO TECNOLÓGICA. Paradoxo Descoberto: Supercondutor Também é Magnético. Disponível em: https://www.inovacaotecnologica.com.br/noticias/noticia.php?artigo=paradoxo-descoberto-supercondutor-tambem-magnetico&id=010115250527. Acesso em: 27 maio 2025.

PARK, T. et al. Magnetic Coexistence in Superconductors. Annual Review of Condensed Matter Physics, v. 14, n. 1, p. 115-135, 2023.

TINKHAM, M. Introduction to Superconductivity. 2. ed. Mineola, NY: Dover Publications, 2004.


Créditos e Direitos Autorais

Repórter: Fabiano C. Prometi

Editor Chefe: Fabiano C. Prometi

O conteúdo desta reportagem é de propriedade do site "Horizontes do Desenvolvimento - Inovação, Política e Justiça Social". Sua reprodução ou divulgação deverá ser feita com a autorização prévia da equipe editorial.

Licença de Uso: Este trabalho está licenciado sob uma Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional. Para mais informações, acesse: https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/deed.pt

Comentários