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IA em Xeque: Adoeceu Nosso Cérebro? Mitos e Realidades da Era Digital

IA em Xeque: Adoeceu Nosso Cérebro? Mitos e Realidades da Era Digital

Horizontes do Desenvolvimento - Reportagem Especial
Autor: Fabiano C Prometi

O surgimento e a difusão acelerada da inteligência artificial (IA) têm alimentado um debate controverso sobre seus efeitos no cérebro humano. Recentemente, um estudo da Microsoft e da Universidade Carnegie Mellon alertou que depender excessivamente de ferramentas de IA no trabalho pode “atrofiar” nossa musculatura cognitiva, reduzindo a prática cotidiana do pensamento críticomicrosoft.comgizmodo.com. Na mesma linha, reportagens como a da Terra afirmam que a IA torna a mente humana “atrofiada e despreparada”terra.com.brmicrosoft.com. Esta reportagem examina essa tese sob múltiplas perspectivas – da neurociência à educação, passando pela ética digital e pela tecnologia – trazendo casos reais, dados de pesquisas, opiniões de especialistas e contrapontos importantes. Além disso, apontamos possíveis caminhos para que convivamos de forma equilibrada com a IA, preservando e estimulando nossas faculdades mentais.

  • Introdução: contexto e “estudo da Microsoft”

  • História da IA e receios antigos (Socrates, imprensa, calculadoras etc.)

  • O estudo em foco: metodologia e resultados-chaves

  • Exemplos práticos e estatísticas de uso de IA no dia a dia

  • Vozes da Neurociência: o que dizem especialistas

  • Impactos cognitivos: memória, atenção, criatividade e empatia

  • Educação e IA: riscos e oportunidades na aprendizagem

  • Contrapontos e benefícios da IA: visão positiva e analogias históricas

  • Soluções e recomendações: uso crítico e design de IA responsável

  • Conclusão: síntese e perspectivas futuras

IA e o “músculo cognitivo”

Em fevereiro de 2025, a Terra Byte publicou matéria destacando um novo estudo que teria demonstrado como “depender da IA no trabalho reduz o pensamento crítico dos humanos”terra.com.br. Segundo aquela reportagem, pesquisadores da Microsoft e da Universidade Carnegie Mellon entrevistaram 319 profissionais e concluíram que, quanto mais confiantes eles estavam na IA, menos esforço cognitivo empregavam ao avaliar respostas de sistemas generativosgizmodo.commicrosoft.com. A ideia central foi resumida assim: automatizar tarefas rotineiras priva o usuário da prática diária de julgamento, “deixando-o atrofiado e despreparado para quando as exceções de fato surgem”microsoft.comterra.com.br. Este relato provocou preocupação (e surpresa) em manchetes: estaríamos mesmo terceirizando tanto nosso cérebro que ele enfraquecia? Ou haveria um alarmismo exagerado?

Vale notar que já houve alarme semelhante em outras épocas. Filósofos antigos questionavam a escrita (Sócrates temido que registrá-la tornaria a memória preguiçosa). Séculos depois, Trithemius denunciou a imprensa, e na era moderna professores se assustaram com as calculadoras. De fato, o artigo da Microsoft contextualiza que toda nova tecnologia levanta temores de “deterioração das faculdades cognitivas que deveriam ser preservadas”microsoft.com. Com base nisso, examinaremos se a “IA nos deixa mais burros” ou se tal afirmação é simplista.

História da inteligência artificial e temores cognitivos

A inteligência artificial não surgiu do nada; é parte de uma longa evolução tecnológica. Nos anos 1950, os primeiros computadores ajudavam em cálculos complexos. Nas décadas seguintes, sistemas especialistas, internet, smartphones e agora algoritmos de aprendizado de máquina entraram no cotidiano. A cada avanço, surgiam vozes preocupadas: a imprensa chamava de “besta” a máquina de Guttenberg, calculadoras eram vistas como pecadoras pela aritmética tradicional. Mas a história mostra que tais temores tendem a evoluir. Como lembram os próprios pesquisadores da Microsoft/CMU, a IA gerativa é apenas “a mais recente de uma longa linha de tecnologias” questionadas, de Sócrates aos professores de aritméticamicrosoft.com.

Diante disso, é crucial separar duas coisas: (1) efeitos reais – tangíveis nas habilidades cognitivas – e (2) retórica apocalíptica. A antropologia cognitiva e a neurociência explicam que nosso cérebro adapta-se às ferramentas. Memória transativa, por exemplo, descreve como confiamos em saber onde buscar informação (em vez de guardá-la)mdpi.combigthink.com. Esse fenômeno já foi descrito como “Efeito Google”: quanto mais informação acessível via internet, menor a tendência de memorizar detalhesmdpi.commdpi.com. De fato, estudos mostram que salvar ou anotar informações externamente pode liberar recursos mentais para aprender outras coisasbigthink.com. Ou seja, usar externalizadores (como contato telefônico salvo no celular) parece atrofiar a memória telefônica, mas isso não necessariamente empobrece a inteligência geral.

No entanto, há diferenciações importantes: memorizar números de telefone (memória de fato) não é o mesmo que pensamento crítico – avaliar argumentos e solucionar problemas. O receio atual é que a IA, ao oferecer “respostas prontas”, reduza nossa prática de análise profunda. Como veremos, vários especialistas apontam riscos legítimos para criatividade, atenção e independência intelectual. Mas também destacam potencial para a IA atuar como parceira pedagógica, ensinando raciocínio, como sugerem os autores da pesquisaterra.com.br.

O estudo da Microsoft/CMU: metodologia e principais resultados

O estudo base do debate foi conduzido por pesquisadores da Microsoft Research (Cambridge, Reino Unido) e da Carnegie Mellon (Pittsburgh, EUA), apresentado na conferência CHI 2025microsoft.com. Sua amostra foram 319 “trabalhadores do conhecimento” — profissionais de áreas intelectuais — que relataram exemplos reais de uso de IA em suas tarefas (936 casos distintos no total)terra.com.brgizmodo.com. Os participantes descreveram quais tarefas fizeram com assistência de IA generativa (ChatGPT, DALL-E, etc.), como as usaram, e quanta confiança tinham na ferramenta versus em sua própria habilidade. Além disso, avaliaram a qualidade das respostas da IA em comparação com um humano atuando sozinhoterra.com.brgizmodo.com.

Os achados quantitativos foram claros: quanto maior a confiança do usuário na capacidade da IA, menor o esforço relatado em exercitar o pensamento críticogizmodo.com. Em tarefas consideradas de baixo risco ou rotina, muitos trabalhadores admitiram “tirar as mãos do volante”, aceitando passivamente as recomendações da IAgizmodo.com. Por outro lado, quando desconfiavam da IA (por exemplo, em tarefas complexas ou críticas), eles ativavam mais suas próprias habilidades analíticas, avaliavam melhor o output e propunham melhoriasgizmodo.compsypost.org. Em outras palavras, a dependência da IA desloca o exercício cognitivo: ela nos faz confiar demais em “atalhos” algorítmicos, potencialmente em prejuízo de nosso treino mentalmicrosoft.compsypost.org.

Os pesquisadores também notaram que usuários com acesso à IA produziam resultados menos diversos para a mesma tarefa do que quem trabalhava sem a ferramentagizmodo.comterra.com.br. Isso sugere que os modelos de IA tendem a convergir em respostas similares (baseadas em seus dados de treinamento), enquanto o pensamento humano pode gerar variedade de soluções. Em termos estatísticos, a homogeneização dos resultados foi interpretada pelos autores como possível “deterioração do pensamento crítico” nos casos de uso intensivo de IAgizmodo.comterra.com.br.

Entretanto, o próprio estudo relativiza a narrativa simplista de “IA nos deixando burros”. Os cientistas discutem que a humanidade historicamente transfere tarefas cognitivas a ferramentas (da escrita ao GPS), e que a pergunta relevante é como e quando isso ocorre. Eles citam convicções antigas: desde a escrita (temida por Sócrates) até a internet (questionada no passado), sempre houve medo de perda intelectualmicrosoft.com. O ponto dos autores é que quando usadas de forma inadequada, tecnologias podem sim “resultar na deterioração de faculdades cognitivas que deveriam ser preservadas”microsoft.com. Mas, em contrapartida, quando bem desenhadas, essas mesmas ferramentas podem estímular o raciocínio. Aliás, o relatório da Microsoft/CMU propõe justamente incorporar à IA generativa recursos de explicação e ensino, de modo a “posicionar a IA como parceira no desenvolvimento de habilidades”terra.com.br.

Casos práticos citados no estudo

No embalo das estatísticas, é útil conhecer alguns exemplos concretos coletados na pesquisaterra.com.br. Um professor universitário, por exemplo, usou o gerador de imagens DALL-E para criar ilustrações em material educativo sobre higiene das mãos. Num caso relacionado à OpenAI, um trader de commodities recorreu ao ChatGPT para sugerir novos recursos e estratégias para melhorar suas habilidades de negociação. Ainda, uma enfermeira utilizou o ChatGPT para revisar um panfleto educativo destinado a pacientes recém-diagnosticados com diabetes. Em cada cenário, o profissional relata ter poupado tempo e obtido sugestões úteis, mas ao custo de menos questionamento próprio. Esses exemplos ilustram o ponto-chave: a IA se apresenta como muleta, auxiliando tarefas mas deixando de lado a “ginástica” do próprio cérebro. terra.com.brgizmodo.com

Perspectivas da Neurociência e Psicologia Cognitiva

Especialistas em neurociência e psicologia avaliam o assunto sob o prisma do funcionamento cerebral. O cérebro humano é plástico e orientado a economizar recursos: quando um problema é resolvido por uma máquina (seja calculadora, GPS ou chatbot), nosso córtex pré-frontal tende a relaxar. Estudos apontam que a facilidade de acesso à informação – como via buscadores online – leva à chamada memória transativa: lembramos menos dos dados em si e mais de onde encontrá-losmdpi.com. Esse fenômeno, ilustrado no famoso estudo de Sparrow et al. (2011), mostrou que participantes raramente lembravam informações disponíveis na internet, preferindo lembrar “que havia algo guardado no Google” do que os detalhesmdpi.commdpi.com. Em termos de aprendizado, contudo, há um lado positivo nisso: pesquisa em psicologia indica que externalizar (ou “salvar”) informações permite que o cérebro libere espaço para assimilar novos conteúdosbigthink.com. Por exemplo, estudantes que salvaram notas digitalmente tiveram melhor desempenho em lista subsequente de estudo, comparados aos que tentavam memorizar tudobigthink.com.

Quanto ao impacto direto no córtex, a neuroplasticidade nos diz que o cérebro “moldeia-se” ao uso. Se alguém usa mapa digital permanentemente, regiões de orientação espacial podem se adaptar de forma diferente. A pesquisadora Andrea Bird (WildBrain Lab) aponta que estímulos constantes da internet e multitarefa podem reduzir a capacidade de concentração prolongada – efeitos observados especialmente em jovens usuários frequentes. Por outro lado, interações criativas com IA (por exemplo, compor música assistido por algoritmo) podem ativar circuitos de criatividade e aprendizado acelerado. Em resumo, não há consenso: a neurociência sugere mudanças no funcionamento cerebral, mas não determinismo de “declínio”.

O neurocientista Andre Cruz (da empresa Neura, Brasil) resume o dilema afirmando que IA e cérebro operam em “dimensões” diferentescartacapital.com.br. Ele lembra que humanos têm empatia, inteligência emocional e subjetividade, enquanto a IA baseia-se em padrões estatísticos. Cruz aponta aspectos positivos já mapeados: “aprimoramento da plasticidade cerebral” e “estímulo à criatividade” são citados como ganhos da interação com IAcartacapital.com.br. Por outro lado, ele lista desafios reais: redução da atenção (devido à sobrecarga informacional), dependência de respostas prontas (que enfraquece o pensamento crítico), e diminuição da memória de longo prazo pela facilidade de consultacartacapital.com.br. Em suas palavras:

“Os riscos da IA incluem redução da atenção e superficialidade cognitiva, dependência de respostas prontas que enfraquece o pensamento crítico, redução da memória de longo prazo devido à facilidade de acesso à informação, e até comprometimento da empatia e das habilidades sociais”cartacapital.com.br.

Esses pontos de Cruz refletem preocupações apontadas também pelo estudo da Microsoft/CMU: aceitamos respostas sem questionar e perdemos treino analítico. No entanto, Cruz e outros neurocientistas advertiriam que a ignorância não vem da ferramenta em si, mas do modo como a usamos.

Efeitos no Pensamento Crítico e na Criatividade

O pensamento crítico – habilidade de analisar, questionar e avaliar informações – é especialmente discutido. O estudo suíço de Gerlich et al. (publicado em 2025) reforça o que se viu na pesquisa norte-americana: houve forte correlação negativa entre uso de IA e desempenho em tarefas de pensamento críticomdpi.compsypost.org. Em palavras do autor Michael Gerlich, “reliance on AI tools could reduce opportunities for deep, reflective thinking”psypost.org. Em testes formais, usuários frequentes de sistemas de diálogo (como o ChatGPT) tiveram pontuações mais baixas em avaliações de análise argumentativa e solução de problemas comparados aos colegas que não usavam tanto esses sistemaspsypost.orgslejournal.springeropen.com. Esse padrão aparece com mais intensidade em tarefas rotineiras ou de baixo risco.

Um aspecto alarmante foi observado especialmente em entrevistados mais jovens: eles demonstraram maior offloading cognitivo, confiando totalmente nas sugestões da IA, e por isso puntuavam pior em testes críticospsypost.org. Gerlich nota que as gerações nativas digitais – nascidas num ambiente repleto de IA – podem ser mais suscetíveis a essa “preguiça cognitiva” do que gerações mais velhaspsypost.org. Por outro lado, participantes com nível superior de escolaridade apresentaram habilidades críticas mais robustas, mesmo usando IA frequentementepsypost.orgpsypost.org. Isso sugere que educação formal e treinamento em métodos analíticos podem atenuar os efeitos deletérios do offloading cognitivopsypost.org. Em suma, a moral é dupla: a IA não mata o raciocínio automaticamente, mas cria um risco a mais, exigindo preparo intelectual para que continuemos críticos.

Do lado da criatividade, alguns estudos ainda são controversos. Intuitivamente, uma ferramenta capaz de gerar ideias e imagens poderia tanto expandir o leque criativo quanto limitar ao reproduzir padrões conhecidos. Pesquisas iniciais indicam que criadores que usam IA podem perder parte da “faísca humana” caso aceitem tudo sem filtro, mas que também podem ser inspirados por sugestões inesperadas do algoritmo (por exemplo, uma escrita criativa a partir de prompts abstratos). Esta é uma área em franca investigação: por ora, o consenso parcial é que a IA vai reconfigurar, não exterminar, o processo criativo humano.

Educação, Aprendizado e IA

No âmbito educacional, os impactos são amplamente debatidos. As salas de aula já sentem o avanço da IA: alunos usando chatbots para fazer pesquisas e até para redigir redações, professores buscando aplicativos de IA para personalizar ensino. Qualidade x dependência? Recentes revisões sistemáticas em pedagogia mostram um dilema semelhante: uso inadequado de IA em estudos reduz engajamento crítico e retençãoslejournal.springeropen.com. Uma das descobertas é que estudantes que habitualmente copiam respostas da IA apresentam pior desempenho em avaliações de pensamento crítico do que aqueles que utilizam a IA como uma ferramenta complementarslejournal.springeropen.com. Em contrapartida, plataformas educacionais bem desenhadas podem alavancar a aprendizagem (por exemplo, oferecendo feedback sob medida ou explicações passo a passo), se forem integradas de forma a exigir participação ativa do alunomdpi.compsypost.org.

Um estudo de 2024 indica que, quando programas de IA oferecem perguntas reflexivas ou pedem que o estudante justifique suas escolhas, podem efetivamente treinar o cérebro para analisar argumentos e verificar informaçõesterra.com.brpsypost.org. A recomendação, portanto, é que o uso de IA em sala de aula venha acompanhado de orientação pedagógica: em vez de “abafar” uma dúvida, a IA poderia ensiná-la. Nesse sentido, Gerlich defende que “a IA deve complementar o engajamento cognitivo, e não substituí-lo”psypost.org. Por exemplo, um sistema de tarefas pode requerer que o aluno compare a resposta da IA com outra fonte antes de assinalar como concluída.

Em termos de estatísticas, pesquisas em tecnologia educacional mostram que cerca de 70% dos professores notam mudança no comportamento de aprendizagem com a IA – positivos e negativos – e buscam treinamento própriopsypost.org. Ainda não há dados conclusivos de longo prazo sobre estudantes que crescerão com ferramentas ainda mais avançadas (como tutores virtuais baseados em IA). Mas especialistas em educação e neurociência recomendam: cultivemos metodologias ativas, debatendo questões, promovendo debates em classe e exercícios que forcem o aluno a explicar por quê usou determinada ferramenta. Ou seja, reforçar a metacognição e as habilidades de pesquisa crítica.

Benefícios e Contrapontos: É só catastrofismo?

Embora muitos apontem riscos, há argumentos de que a IA não necessariamente atrofiará nossa mente, mas sim aumentará nosso potencial – desde que adotemos medidas inteligentes.

  1. Aumento da eficiência e criatividade: Defensores destacam que liberar o cérebro de tarefas mecânicas permite focar em desafios inéditos. Por exemplo, em vez de treinar cálculos mentais, podemos nos concentrar em resolver problemas complexos ou entender o contexto social das informações. André Cruz aponta efeitos positivos já observados: “melhoria da tomada de decisão apoiada por análises de dados avançadas” e “estímulo à criatividade, com insights e sugestões inovadoras”cartacapital.com.br.

  2. Crescimento da aprendizagem personalizada: A IA pode servir de tutor individual, adaptando-se ao ritmo de cada aluno. Isso pode potenciar o pensamento crítico se o sistema fizer perguntas, corrigir argumentos falhos e sugerir leituras complementares. Alguns projetos acadêmicos usam IA para simular debates: a máquina assume vários pontos de vista e desfia o estudante a rebater. Nesse cenário, a mente humana se exercita respondendo às provocações artificiais.

  3. Analogias históricas: É revelador notar que cada nova ferramenta cognitiva passou por críticas duras que nem sempre se confirmaram. Calculadoras digitais eram vistas como “desumanização do aprendizado de matemática”. Hoje quase ninguém questiona sua utilidade, mas reconhece o risco de aulas de aritmética mecânica. O livro Homo Deus de Yuval Harari e outros historiadores apontam que sempre haverão “medos de extinção intelectual” com novas tecnologias, mas a história sugere que a inteligência humana se adapta e até se especializa: por exemplo, hoje gastamos menos tempo memorizando telefones (já sabemos onde encontrá-los) e mais tempo desenvolvendo outras habilidades como raciocínio abstrato e navegação na web.

  4. Cenários práticos de co-criação: Em áreas criativas, a parceria humano-IA é vista como híbrido potente. Artistas que usam geradores de imagem dizem que recebem inspiração instantânea para imagens que não sabiam desenhar sozinhos, mas precisam filtrá-las. Do mesmo modo, escritores podem usar o ChatGPT para rascunhar ideias, depois corrigir estilo e conteúdo com seu próprio julgamento. Este processo combinado de sugestão + crítica pode exercitar o cérebro tanto quanto (ou mais do que) começar do zero.

Vale ressaltar ainda que nem todo uso de tecnologia cognitiva conduz a dependência. Um artigo de 2015 descreve que externalizar informações de rotina (como armazenar arquivos no computador) liberou recursos mentais para aprender novas coisasbigthink.com. No experimento citado, alunos que “salvaram” um documento em disco lembraram melhor do material seguinte, porque a primeira parte já não ocupava sua memória ativabigthink.com. Isso sugere que o cérebro tende a lidar positivamente com o alívio de cargas desnecessárias – contanto que continuemos exercitando o “músculo” onde importa.

Caminhos para convivência equilibrada

Diante dos riscos e benefícios, especialistas propõem formas de usar IA sem perder habilidades. Uma recomendação comum é desenvolver o pensamento crítico em paralelo. Por exemplo:

  • Exigir fontes e justificativas: ao obter resposta de uma IA, obrigar-se a citar a fonte ou encontrar evidência na internet. Isso treina a verificação.

  • Pedir explicações ao próprio sistema: em vez de tomar o output final, o usuário questiona “por que?” ou “como?” e observa as respostas da IA, exercitando a compreensão do raciocínio.

  • Alternar tarefas: em projetos colaborativos, fazer parte do trabalho “no modo manual” antes de recorrer à IA, para garantir engajamento no processo.

Além disso, os próprios designers de IA podem ajudar. Os autores do estudo Microsoft sugerem mudar o design das ferramentas: por exemplo, o ChatGPT poderia informar a confiabilidade de cada resposta ou indicar trechos de seu “raciocínio” (dados de treinamento)terra.com.br. Incluir exercícios interativos, como “explique sua conclusão”, forçaria o usuário a refletir. Sistemas de IA integrados na educação poderiam medir o engajamento crítico dos estudantes e ajustar as sugestões: se notarem padrões de resposta acrítica, poderiam reforçar desafios ou dar feedbacks extras.

Organizações de ensino e empresas também têm papel. Treinamentos de literacia digital devem enfatizar: a habilidade principal não é recitar o que a IA disse, mas fazer as perguntas certas. Instituições podem promover “desafios sem IA”, em que estudantes resolvem problemas complexos usando apenas recursos internos ou bibliotecas tradicionais, para manter esses músculos ativos. Em situações de trabalho, a rotatividade de ferramentas – alternar entre métodos tradicionais e IA – pode evitar dependência total.

Por fim, alguns apontam políticas públicas: avaliações de IA em larga escala e regulamentação que obrigue transparência. Por exemplo, a União Europeia discute exigir que sistemas de IA deixem claro quando estão envolvidos, para que usuários não relaxem sua guarda cognitiva. Programas de pesquisa em neurociência podem receber financiamento para estudar impactos de longo prazo do uso intenso de IA no desenvolvimento cerebral, especialmente em crianças.

Conclusão: Rumo a um equilíbrio cognitivo

É inegável que a inteligência artificial está reformulando a maneira como pensamos e trabalhamos. O estudo da Microsoft e outras pesquisas recentes confirmam um fato: confiar cegamente nas respostas da IA está associado a menor exercício crítico e menos diversidade de ideiasgizmodo.compsypost.org. Do ponto de vista jornalístico e científico, essa é uma mensagem de alerta, não de pânico: a IA pode nos “atuar” como muleta cognitiva, reduzindo certos estímulos mentais, se não prestarmos atenção.

Por outro lado, a tese de que a IA estaria “atrofiando” permanentemente o cérebro é exagerada. Historicamente, nossas faculdades mudam de alçada – memorizamos menos e pesquisamos mais – mas transferir carga cognitiva faz parte da evolução humanamicrosoft.combigthink.com. A grande questão é: que tipo de cognição queremos preservar e em que contexto? Pensar criticamente, raciocinar de forma criativa e aprender a aprender são capacidades intrínsecas à natureza humana e que precisam ser cultivadas conscientemente. A IA, nesse sentido, é apenas mais uma ferramenta poderosa.

Portanto, o caminho está em usar a IA sem abdicar do pensamento. Professorado, empresas e usuários devem assumir a responsabilidade de não negligenciar a própria curiosidade. Devemos lembrar a máxima: a IA pode responder “o quê” e “como”, mas cabe a nós perguntar “por quê”. Se formos capazes de incorporar a IA como parceira de aprendizagem – questionando-a e até corrigindo-a – transformamos o suposto risco em oportunidade. Assim, em vez de atrofiar, podemos até expandir nossa cognição: pensando em novas perguntas, explorando ideias antes inatingíveis.

Em resumo, a IA não é um monstro que rouba cérebros, mas também não é um brinquedo inofensivo. Ela exige que mantenhamos nossa vigilância mental ativa. A reportagem conclui que o debate precisa prosseguir com rigor científico e consciência social. Só assim o “Horizonte do desenvolvimento” que a inteligência artificial promete poderá ser alcançado sem sacrificar nossas habilidades cognitivas mais fundamentais.

Repórter: Fabiano C. Prometi Editor-Chefe: Fabiano C. Prometi1

Referências

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  • CARTACAPITAL. Inteligência artificial e novas tecnologias alteram funcionamento do cérebro humano, aponta neurocientista. Do Micro Ao Macro (blog), 4 abr. 2025. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/do-micro-ao-macro/inteligencia-artificial-e-novas-tecnologias-alteram-funcionamento-do-cerebro-humano-aponta-neurocientista/. Acesso em: 18 jun. 2025.

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Footnotes

  1. Conteúdo do blog Grandes Inovações Tecnológicas – reprodução apenas com autorização do autor.

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