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Brasil no tabuleiro dos minerais estratégicos: disputa entre EUA, inovação e justiça social

Brasil no tabuleiro dos minerais estratégicos: disputa entre EUA, inovação e justiça social

Os recentes atritos comerciais entre Brasil e Estados Unidos reavivaram a corrida global por minerais estratégicos. Com a imposição de tarifas de 50% sobre produtos brasileiros, Washington passou a oferecer acesso aos metais críticos do subsolo brasileiro em troca de concessões comerciais. Trata-se de uma movimentação geoeconômica emblemática: os EUA buscam garantir suprimentos essenciais para tecnologias de ponta – da transição energética à inteligência artificial – diante do domínio chinês sobre as cadeias minerais. Segundo estimativas, o Brasil detém 90% da produção mundial de nióbio e reservas significativas de grafite, níquel, lítio e terras raras. Essas riquezas conferem ao país papel central nas disputas geopolíticas atuais, mas sua simples abundância não garante desenvolvimento ou soberania econômicanoticias.r7.com. A reportagem abaixo analisa em profundidade essa conjuntura, contextualizando o tema globalmente e seus impactos sobre inovação, meio ambiente e justiça social.

Figura: A demanda crescente por minerais críticos, como lítio e terras raras, acende a disputa geopolítica mundial pelo controle dessas matérias-primas essenciais

Minerais estratégicos: definição e aplicações essenciais

“Minerais estratégicos” ou críticos são aqueles indispensáveis a tecnologias-chave da economia global. Segundo a Agência Internacional de Energias Renováveis (IRENA), caracterizam-se por reservas concentradas em poucos países, extração complexa ou declínio de qualidade dos depósitosnoticias.r7.com. Exemplos clássicos incluem cobalto, níquel, lítio e elementos de terras raras. Em termos de aplicações, esses recursos são fundamentais em diversas frentes: batteries de veículos elétricos, painéis solares, turbinas eólicas, semicondutores, equipamentos médicos, sistemas de defesa, satélites e infraestrutura digital avançadanoticias.r7.com.

  • 🚗 Veículos elétricos: baterias recarregáveis exigem lítio, cobalto, níquel e grafite, cuja demanda deve crescer exponencialmentenoticias.r7.cominfoamazonia.org.

  • 💨 Energia renovável: turbinas eólicas e painéis solares dependem de terras raras (materiais usados em imãs de alto desempenho) e outros metais estratégicosnoticias.r7.com.

  • 🖥️ Tecnologia e defesa: data centers, semicondutores e sistemas ópticos consomem metais especializados; a IA, por exemplo, movimenta hoje US$250 bi/ano e deverá chegar a US$830 bi em 2030noticias.r7.com, exigindo grandes centros de processamento repletos de hardware com esses insumos.

Essa intensa demanda tecnológica se reflete em projeções de crescimento de mercado. A Agência Internacional de Energia (IEA) estima que a demanda por minerais como lítio crescerá cinco vezes até 2040datamarnews.com. Projetos de energia limpa emitem uma dependência mineral muito maior: uma usina eólica terrestre requer até 9 vezes mais metal que termoelétrica equivalente, e veículos elétricos exigem 6 vezes mais minerais que carros convencionaisnoticias.r7.comdatamarnews.com. Com investimentos colossais em energia solar e eólica (US$1,63 tri em solar e US$1,31 tri em eólico de 2013 a 2022) e expansão de instalações solares domésticas para 10 milhões de unidades até 2030racismoambiental.net.brinfoamazonia.org, o “motor renovável” da economia mundial pressiona fortemente a extração mineral. Em suma, o avanço tecnológico global – renováveis, mobilidade elétrica e IA – faz dos minerais estratégicos peças-chave do jogo econômico.

A geopolítica mineral global

A disputa por esses metais se dá em nível global. Hoje, a China domina boa parte da cadeia de minerais críticos: produz cerca de 70% das terras raras mundiais e controla a quase totalidade do processamento de grafite e parte do níquel globalenergypolicy.columbia.edu. Em 2023, 68% da produção de terras raras estava sob controle chinês, enquanto os EUA respondiam por apenas 12%noticias.r7.com. Essa dependência levou os EUA a buscar diversificar suprimentos. Na prática, isso significa fechar acordos estratégicos – como o tratado anunciado com a Ucrânia em maio de 2025, que daria aos EUA acesso prioritário às minas de terras raras ucranianas em troca de apoio militarnoticias.r7.com. Trump também condicionou vistos de estudantes chineses à exportação desses minerais pela Chinanoticias.r7.com.

Em outra frente, os EUA têm aberto negociações comerciais para contornar tarifas bilaterais. No Brasil, o carregado diplomata norte-americano Gabriel Escobar ressaltou recentemente que o país está estrategicamente posicionado para abastecer os setores de energia limpa e tecnologia com esses materiais críticosdatamarnews.com. Um plano conjunto de AmCham Brasil e Câmara Americana propõe cooperação na prospecção geológica, financiamento de projetos, desenvolvimento tecnológico e engajamento comunitário. Tudo isso reflete a urgência dos EUA em reduzir a dependência chinesa: no 1º trimestre de 2025, as exportações brasileiras de cobre para a China saltaram 180%, ilustrando como a China já é responsável por 35% do cobre exportado pelo Brasilriotimesonline.com. Enquanto isso, o governo brasileiro enfrenta a escolha de atender às pressões externas ou definir uma política autônoma sobre seus recursosnoticias.r7.com.

O potencial mineral do Brasil

O Brasil desponta como um dos maiores reservatórios mundiais de minerais críticos. Estudos indicam que temos a segunda maior reserva de terras raras do mundonoticias.r7.com, além de 90% da produção global de nióbiodatamarnews.com e as maiores reservas de grafite (cerca de um quarto do total mundial)energypolicy.columbia.edu. Dispomos ainda de 15% das reservas globais de níquel e manganêsenergypolicy.columbia.edu e 14% da produção mundial de lítiowilsoncenter.org. Em volume exportado, nossa indústria mineral vem crescendo: em 2022 o setor registrou superávit comercial de US$27,9 bilhõesenergypolicy.columbia.edu. O governo Lula lançou políticas para valorizar essa riqueza, investindo em pesquisa e fomentando projetos de mineração em estados-chave (especialmente Minas Gerais e Bahia).

As iniciativas privadas refletem essas oportunidades. A mineradora australiana Meteoric Resources assinou em 2023 um protocolo de investimento bilionário em projeto de terras raras em Minas Geraisenergypolicy.columbia.edu, enquanto a brasileira de títulos de terras raras levantou dezenas de milhões na Austrália para financiar exploraçãoenergypolicy.columbia.edu. O setor de lítio avançou sobretudo graças ao “Vale do Lítio” em Minas Gerais: há pouco mais de dois anos éramos exportadores praticamente nulos; hoje somos o 5º maior exportador mundial desse metal (e a previsão é de quíntuplo de produção nos próximos cinco anos)wilsoncenter.org. Até a gigante chinesa BYD entrou no setor, adquirindo áreas de lítio no Vale do Jequitinhonha, perto de sua nova fábrica de veículos elétricos na Bahiariotimesonline.com. Não surpreende que especialistas prevejam forte expansão: a Agência Internacional de Energia estima que a demanda global por lítio e outros minerais críticos deve quintuplar até 2040datamarnews.cominfoamazonia.org.

Exemplos de recursos estratégicos brasileiros:

  • Nióbio: Brasil detém ~90% da produção mundial, usado em ligas metálicas para aeroespacial e automotivodatamarnews.com.

  • Grafite: ~25% das reservas globais, insumo-chave para anodos de baterias.

  • Terras Raras: reserva nacional enorme (segunda maior global) para superímãs em turbinas e veículos elétricosnoticias.r7.com.

  • Lítio, Níquel, Cobalto: essenciais para baterias e veículos elétricosnoticias.r7.comdatamarnews.com.

  • Vanádio, Alumínio, Prata, Cobre: também em foco pela indústria renovável e eletrônicanoticias.r7.comdatamarnews.com.

Essas cifras confirmam o potencial de o Brasil se tornar não apenas fornecedor de matéria-prima, mas protagonista em tecnologias verdes e cadeias produtivas de alta inovaçãowilsoncenter.org. Como destaca o Wilson Center, temos elementos para sermos “motor da transformação energética global”, indo além da exportação de recursos brutos e fomentando valor agregado localwilsoncenter.org.

Desafios ambientais e sociais

Contudo, a exploração mineral em larga escala traz dilemas críticos de justiça social e sustentabilidade. Na Amazônia, a busca por esses minérios esbarra em áreas protegidas e territórios indígenas. Um levantamento da InfoAmazonia mapeou 5.046 pedidos de mineração na Amazônia legal (até maio/2024) visando minérios da transição energéticainfoamazonia.org. Desses, mais de 1.200 projetos têm impacto direto em áreas indígenas (até 10 km de seus limites) e 390 invadem terras indígenas, o que é proibido pela Constituição brasileirainfoamazonia.org. A pressão para extrair pode destruir florestas e comunidades tradicionais: segundo a renomada Convenção 169 da OIT, povos indígenas e outras comunidades tradicionais têm direito a consulta livre, prévia e informada (e poder de veto) sobre qualquer empreendimento em seus territóriosinfoamazonia.org. Entretanto, na prática esses procedimentos são muitas vezes negligenciados.

🔋 “Fala-se muito em economia de baixo carbono, mas há ausência de política clara sobre como isso ocorrerá. Sem salvaguardas, a principal preocupação é como vamos explorar esses recursos”, alerta a analista Marta Salmon (Instituto Talanoa)infoamazonia.org. Em outras palavras, o discurso verde contrasta com a vulnerabilidade das populações locais. O cacique Bep Kroroti Xikrin, da TI Xikrin do Cateté (PA), denuncia o impacto direto da mineração: “Depois que começou a mineração, o rio ficou poluído e continua poluído”infoamazonia.org. Ele relata perdas de peixe e danos à saúde decorrentes do empreendimento da Vale na Onça Puma. Situações assim reforçam a necessidade de transparência e responsabilidade.

Além de conflitos sociais, há riscos ambientais comprovados. O país ainda convive com as consequências do desastre de Brumadinho (2019), quando o rompimento de uma barragem de rejeitos da Vale matou 270 pessoas e provocou grave contaminação ambiental. Hoje há 122 barragens de rejeitos em condição preocupante no Brasilenergypolicy.columbia.edu. Para avançar como fornecedor confiável e inovador, o setor mineral brasileiro terá de reforçar padrões de segurança, exigir medidas de remediação (como a licença suspensa da Onça Puma por descumprimento) e incluir critérios ESG (ambiental, social e governança) em todos os projetos. O governo já tomou iniciativas nesse sentido: a ANA cancelou centenas de pedidos sobre a TI Yanomami em 2023infoamazonia.org e estuda acelerar licenças mediante exigências socioambientais. Ainda assim, ONG e especialistas pedem que COP30 – que acontecerá no Brasil – inclua protocolos para mineração responsável, com zonas de exclusão em biomas críticos e respeito irrestrito aos direitos indígenasglobalwitness.orginfoamazonia.org. As regras para um “futuro mineral climático” implicam: zonas proibidas de exploração em florestas-chave, consentimento indígena pleno e regras claras para agregar valor no país anfitriãoglobalwitness.org.

Conclusões: entre inovação e soberania

O Brasil está, portanto, diante de uma encruzilhada estratégica. De um lado, a mineração de recursos estratégicos oferece oportunidade sem precedentes de inovação industrial e avanços tecnológicos. A transformação de parte dessas riquezas em produtos de maior valor, em parcerias de pesquisa e na cadeia de baterias, por exemplo, pode impulsionar setores como mobilidade elétrica, energia limpa e eletrônica avançadawilsoncenter.orgnoticias.r7.com. De outro, correr exclusivamente atrás de exportações de matéria-prima fortaleceria um modelo extrativista tradicional, sem garantir desenvolvimento ou justiça socialnoticias.r7.com.

Como resume o estudo do The Conversation, a abundância mineral brasileira não assegura por si só soberania ou equidadenoticias.r7.com. O desafio político é usar esses recursos como moeda de negociação sem abrir mão da autonomia: exigir, nas trocas internacionais, contrapartidas em tecnologia, investimentos sustentáveis e respeito aos direitos das comunidades locaisnoticias.r7.comglobalwitness.org. Afinal, na geopolítica dos minerais estratégicos, o Brasil pode escolher ser um mero fornecedor de baixa tecnologia ou tornar-se parceiro ativo dos avanços industriais globais – mediante acordos que promovam emprego qualificado e proteção ambiental.

Em resumo, enquanto os holofotes internacionais se voltam para nosso subsolo, cabe ao país manter uma visão de longo prazo. O debate não se resume à barganha comercial com os EUA, mas à forma como transformaremos nossa riqueza mineral em inovação, sob critérios sociais e ambientais rigorosos. Ser protagonista nessa nova fase da economia global – e não apenas recurso estratégico – dependerá de políticas que equilibrem desenvolvimento tecnológico e justiça social.

Créditos e Licença

Reportagem: Fabiano C. Prometi (rede Horizontes do Desenvolvimento – Inovação, Política e Justiça Social). Editor-chefe: Fabiano C. Prometi. Grandes Inovações Tecnológicas detém os direitos autorais deste conteúdo. Reprodução total ou parcial apenas com autorização prévia. Licença: Creative Commons Atribuição-NãoComercial (CC BY-NC 4.0).

Bibliografia (estilo ABNT)

  • BISHOP, Fábio. Transição energética gera corrida por minerais estratégicos com 5 mil requerimentos na Amazônia. InfoAmazonia, 11 jun. 2024. Disponível em: https://infoamazonia.org/2024/06/11/transicao-energetica-gera-corrida-por-minerais-estrategicos-com-5-mil-requerimentos-na-amazonia/. Acesso em: 26 jul. 2025.

  • CALDERO, Rocco. China Accelerates Billion-Dollar Race for Brazil’s Strategic Minerals. The Rio Times, 30 jun. 2025. Disponível em: https://www.riotimesonline.com/china-accelerates-billion-dollar-race-for-brazils-strategic-minerals/. Acesso em: 26 jul. 2025.

  • DATAMARNEWS. U.S. eyes Brazil’s niobium and rare earths in possible trade deal. DataMar News, 25 jul. 2025. Disponível em: https://datamarnews.com/news/u-s-eyes-brazils-niobium-and-rare-earths-in-possible-trade-deal/. Acesso em: 26 jul. 2025.

  • FÓRUM BRASIL – WILSON CENTER. VÁSQUEZ, Patricia I. Brazil’s Critical Minerals and the Global Clean Energy Revolution. Washington, DC, 2 out. 2024. Disponível em: https://www.wilsoncenter.org/article/brazils-critical-minerals-and-global-clean-energy-revolution. Acesso em: 26 jul. 2025.

  • GLOBAL WITNESS. STEWART, Emily Iona. Critical minerals: The one issue COP has forgotten about. London, 09 jun. 2025. Disponível em: https://globalwitness.org/en/campaigns/transition-minerals/critical-minerals-the-one-issue-cop-has-forgotten-about/. Acesso em: 26 jul. 2025.

  • INTERNATIONAL RENEWABLE ENERGY AGENCY – IRENA. Gielen, D. (ed.). Critical Materials for the Energy Transition. Abu Dhabi, 2021. Disponível em: https://www.irena.org/technical-papers/Critical-Materials-For-The-Energy-Transition. Acesso em: 26 jul. 2025.

  • ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO – OIT. Convenção 169 sobre povos indígenas e tribais. 1989. Disponível em: https://www.ilo.org/dyn/normlex/pt/f?p=NORMLEXPUB:12100:0::NO::P12100_INSTRUMENT_ID:312314. Acesso em: 26 jul. 2025.

  • PORTAIS DE NOTÍCIAS. STACCIARINI, João; GONÇALVES, Ricardo Assis. Minerais estratégicos em jogo: o interesse dos EUA no subsolo brasileiro. The Conversation (via Notícias R7), 25 jul. 2025. Disponível em: https://noticias.r7.com/jr-24h/the-conversation/minerais-estrategicos-em-jogo-o-interesse-dos-eua-no-subsolo-brasileiro-25072025/. Acesso em: 26 jul. 2025.

  • UNITED STATES ENERGY INFORMATION ADMINISTRATION – EIA. COP28 delivers record renewable energy additions in 2023, driven by wind and solar power. Washington, 2024. Disponível em: https://www.eia.gov/energyexplained/renewable-sources/. Acesso em: 26 jul. 2025.

Meta descrição: EUA procuram acesso aos minerais estratégicos do Brasil em troca de concessões comerciais, revelando desafios geopolíticos, ambientais e de soberania.

Tags: minerais estratégicos, geopolítica, mineração, Brasil, Estados Unidos, transição energética, inovação tecnológica, justiça social, direitos indígenas, sustentabilidade

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