Destaques

O laboratório brasileiro que vigia o céu do planeta: o papel estratégico da Criósfera 1 na recuperação da camada de ozônio

O laboratório brasileiro que vigia o céu do planeta: o papel estratégico da Criósfera 1 na recuperação da camada de ozônio

Data de publicação: 19 de dezembro de 2025

A recuperação gradual da camada de ozônio é frequentemente citada como um dos raros exemplos de sucesso da cooperação ambiental internacional. Menos conhecido, porém decisivo, é o trabalho silencioso de laboratórios de monitoramento atmosférico espalhados pelo planeta, responsáveis por medir, validar e interpretar os sinais dessa recuperação. Entre eles, o Laboratório Brasileiro da Criósfera 1, instalado na Antártica, ocupa uma posição estratégica no acompanhamento científico do ozônio estratosférico e das transformações químicas da atmosfera polar, oferecendo dados essenciais para a ciência do clima e para a formulação de políticas públicas globais.

A Criósfera 1 está localizada na Ilha Rei George, no arquipélago das Shetland do Sul, região-chave para a observação dos processos atmosféricos do Hemisfério Sul. Operado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) no âmbito do Programa Antártico Brasileiro (PROANTAR), o laboratório integra uma rede internacional de observatórios que monitoram gases traço, radiação ultravioleta e parâmetros meteorológicos extremos. Sua origem remonta ao esforço brasileiro, iniciado nos anos 1980, de consolidar uma presença científica permanente na Antártica, não apenas como afirmação geopolítica, mas como contribuição efetiva à produção de conhecimento global sobre mudanças ambientais.

Do ponto de vista tecnológico, a Criósfera 1 reúne instrumentos de alta precisão, como espectrofotômetros Brewer e sondas atmosféricas, capazes de medir a concentração total de ozônio na coluna atmosférica e sua distribuição vertical. Esses equipamentos permitem identificar variações sazonais, episódios de depleção intensa — conhecidos como “buracos” de ozônio — e tendências de longo prazo associadas à redução dos clorofluorcarbonetos (CFCs) após a implementação do Protocolo de Montreal, em 1987. Dados consolidados pela Organização Meteorológica Mundial indicam que, desde o início dos anos 2000, a camada de ozônio apresenta sinais consistentes de recuperação, com projeções de retorno aos níveis pré-1980 entre 2040 e 2066, dependendo da latitude. As medições realizadas na Antártica são cruciais para validar essas projeções, uma vez que a região polar sul é a mais vulnerável à destruição química do ozônio.

A relevância social e política desse monitoramento vai além da curiosidade científica. A camada de ozônio funciona como um escudo natural contra a radiação ultravioleta-B, associada ao aumento de câncer de pele, catarata e impactos severos sobre ecossistemas marinhos e agrícolas. Ao fornecer séries históricas confiáveis, a Criósfera 1 contribui diretamente para a avaliação da eficácia de acordos internacionais e para a revisão periódica de compromissos ambientais. Em um contexto de crescente pressão sobre os regimes multilaterais, a experiência do ozônio demonstra que políticas baseadas em evidência científica podem produzir resultados mensuráveis e duradouros.

Os usos atuais dos dados gerados pelo laboratório incluem a calibração de satélites de observação da Terra, como os da NASA e da Agência Espacial Europeia, e o suporte a modelos climáticos que investigam a interação entre a recuperação do ozônio e o aquecimento global. Estudos recentes indicam que a recomposição da camada de ozônio influencia padrões de circulação atmosférica no Hemisfério Sul, com efeitos potenciais sobre regimes de chuva na América do Sul e a dinâmica dos ventos de altitude. Nesse sentido, o laboratório brasileiro não apenas observa o passado, mas ajuda a antecipar cenários futuros com implicações diretas para a segurança climática e alimentar.

Para facilitar a compreensão do leitor, a reportagem pode ser acompanhada de um infográfico comparando a evolução da espessura da camada de ozônio sobre a Antártica entre 1980 e 2024, com base em dados da OMM e do INPE. O gráfico evidenciaria a queda acentuada nas décadas de 1980 e 1990, seguida por uma estabilização e recuperação lenta a partir dos anos 2000, destacando a contribuição das estações de superfície, como a Criósfera 1, na validação desses números. Fonte: Organização Meteorológica Mundial; INPE.

Os desdobramentos futuros do trabalho da Criósfera 1 passam pela ampliação do escopo de monitoramento, incorporando novos gases de efeito estufa e poluentes emergentes, como os hidrofluorcarbonetos (HFCs), que substituíram os CFCs, mas possuem elevado potencial de aquecimento global. A convergência entre a agenda do ozônio e a agenda climática coloca o laboratório no centro de um debate estratégico: como alinhar inovação científica, responsabilidade ambiental e justiça social em um mundo marcado por desigualdades no acesso aos benefícios da ciência. Para países do Sul Global, como o Brasil, manter e fortalecer essa infraestrutura é também uma afirmação de soberania científica.

Em tempos de negacionismo climático e cortes recorrentes em ciência e tecnologia, a Criósfera 1 simboliza a persistência de um projeto de longo prazo, baseado em cooperação internacional, rigor metodológico e compromisso com o interesse público. A recuperação da camada de ozônio não é um acidente histórico, mas o resultado de escolhas políticas informadas por dados como os que continuam sendo coletados, dia após dia, no extremo sul do planeta.

Bibliografia

ORGANIZAÇÃO METEOROLÓGICA MUNDIAL. Scientific Assessment of Ozone Depletion: 2022. Genebra: WMO, 2022. Disponível em: https://www.wmo.int. Acesso em: 19 dez. 2025.

INSTITUTO NACIONAL DE PESQUISAS ESPACIAIS. Monitoramento do Ozônio na Antártica: Relatórios Técnicos. São José dos Campos: INPE, 2023. Disponível em: https://www.gov.br/inpe. Acesso em: 19 dez. 2025.

THE CONVERSATION. Conheça o papel do laboratório brasileiro Criósfera 1 no acompanhamento da recuperação da camada de ozônio. [S.l.]: The Conversation Brasil, 2024. Disponível em: https://theconversation.com. Acesso em: 19 dez. 2025.

NASA. Ozone Watch: Latest Status of Ozone. Washington, DC: NASA, 2024. Disponível em: https://ozonewatch.gsfc.nasa.gov. Acesso em: 19 dez. 2025.

Créditos

Reportagem: Fabiano C. Prometi
Edição: Fabiano C. Prometi

Conteúdo pertencente ao blog Grandes Inovações Tecnológicas. A reprodução total ou parcial deste material é permitida somente mediante autorização prévia do autor. Salvo indicação em contrário, todos os direitos estão reservados.

Comentários